Prefeitura Municipal de Rolândia
CAPS NA SEMANA DE LUTA ANTIMANICOMIAL
Como a nossa sociedade tratou a loucura ao longo da história? Qual o lugar que a loucura e o sofrimento mental ocupam na nossa sociedade nos dias de hoje?
Durante muitos séculos, a loucura foi tratada como sinônimo de desrazão, como uma ameaça à ordem social e, por conta disso, foi excluída, aprisionada, isolada da sociedade nos grandes manicômios e hospitais psiquiátricos.
Nos tempos atuais, marcados por um individualismo hostil e por uma lógica de culpabilização, o sofrimento mental é frequentemente visto como "frescura", como algo não tão importante, ou até mesmo como responsabilidade e sinal de um fracasso individual.
Se, durante muitas décadas, pessoas diagnosticadas com transtornos e sofrimento mental grave foram presas e violentadas em manicômios e outras instituições fechadas - baseadas na lógica da punição, controle e exclusão - na segunda metade do século XX essa história começa a mudar.
Inicia-se um movimento amplo de reforma e crítica à lógica manicomial, que passa a ser entendida não apenas enquanto um complexo institucional com muros e grades altas, mas também como um certo tipo de pensamento e de relação com os outros, que busca ver a loucura e o sofrimento mental como um objeto perigoso, como algo inferior, destituído de valor e de dignidade humana. Isso significa dizer que, quando falamos de manicômios, não estamos dizendo apenas da estrutura física de um certo tipo de lugar, mas também de um conjunto de pensamentos, ideias, valores e práticas baseadas na lógica da punição, do controle e da exclusão da diferença.
De modo a questionar e revolucionar os cuidados aos portadores de sofrimento mental, a Luta Antimanicomial surge na década de 1970 e 1980 com o objetivo de transformar o modelo de tratamento em saúde mental, agora entendido a partir de uma perspectiva técnica, humanizada e comunitária.
A Luta Antimanicomial possui relações muito próximas com a constituição do Sistema Único de Saúde (em 1988) e seus princípios de universalidade, integralidade e equidade do cuidado. Buscando questionar e transformar nossos manicômios externos e internos, o movimento da Luta Antimanicomial foi composto de trabalhadores da saúde, usuários dos serviços de saúde e por muitos setores da sociedade civil organizada que, juntos, buscavam construir uma alternativa eficiente e humanizada para os cuidados em saúde mental.
É nesse contexto que os primeiros Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) surgem para oferecer um cuidado integral, gratuito, técnico e humanizado para pessoas portadoras de sofrimento mental, agora feito em instituições de portas abertas, com equipe multiprofissional e intervenções terapêuticas variadas. Nesse ponto, o trabalho feito nos CAPS é revolucionário porque inaugura um novo olhar e uma nova forma de tratar e de cuidar dos seus usuários, agora entendidos como protagonistas e sujeitos de suas próprias histórias.
O CAPS entende que pessoas portadoras de sofrimento mental não devem ser excluídas da sociedade, não devem sofrer sozinhas, ficar desamparadas ou ser submetidas a qualquer tipo de estigma ou violência. Muito pelo contrário, o CAPS entende que é função da sociedade (e não do indivíduo isolado) se transformar e aprender a se relacionar com o sofrimento mental a partir de outra perspectiva, se engajando na construção de outros modos de vida e de relações sociais.
Seus usuários, desta forma, devem ser ouvidos, respeitados, incentivados a se expressar de diversas maneiras e, mais do que isso, ser novamente integrados na sociedade, incentivando formas de participação e vinculação social mais saudáveis. É por isso também que o CAPS trabalha junto das famílias dos usuários e se articula com outros serviços e instituições da região (como postinhos de saúde, ambulatórios e hospitais diversos), de modo a garantir que o cuidado seja compartilhado e co-responsabilizado entre diversos atores da sociedade.
E é por conta disso que devemos nos engajar na defesa e na ampliação de serviços como os CAPS para toda a nossa sociedade, cobrando as autoridades, reivindicando direitos e se organizando coletivamente, por exemplo.
Os desafios atuais pela luta por um modelo gratuito, técnico e humanizado em saúde mental são muitos. Em primeiro lugar, devemos ampliar e fortalecer os serviços e equipamentos comunitários (como as diversas modalidades de CAPS e UBS), mas não devemos perder de vista a importância do combate a toda e qualquer forma de hierarquia, violência e exclusão social da diferença.
Os processos de produção de saúde devem ser compreendidos a partir de uma perspectiva ampla, comunitária, multideterminada e, acima de tudo, profundamente atravessada por questões sociais, políticas e institucionais - como o próprio movimento da Luta Antimanicomial nos ensina.
Como diz Nise da Silveira, médica psiquiatra que revolucionou os cuidados em saúde mental no nosso país: "O que melhora o atendimento é o contato afetivo de uma pessoa com outra. O que cura é a alegria, o que cura é a falta de preconceito. Mas cuidado, não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido: vivam a imaginação e a criatividade de vocês, pois ela é a nossa realidade mais profunda".
Por Ayron Santos Camargo - Psicólogo colaborador CAPS II
Última modificação em 18/05/2023
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